2023, meu arcano ZERO

      No parque, de frente ao lago e antes da explosão de fogos, percebi qual foi o propósito de 2022 para minha vida. Quando o tempo ainda se faz presente, não é possível perceber a finalidade de tudo o que ocorre, mas quando o "já" virou passado e os momentos primordiais grudaram em memória, tudo se torna óbvio. A urgência vai embora e a calma, grande dádiva misteriosa, nos proporciona o olhar macro para o sentido dos SIMs e dos NÃOs que foram ditos. Assim, agraciada pelo poder de olhar para trás, me vi como alguém que finalmente sabe quais serão os próximos passos.    

Rosalie saw before her eyes a tree of marvellous beauty - Virginia Frances Sterrett (1920)
Rosalie saw before her eyes a tree of marvellous beauty (1920)
 Virginia Frances Sterrett

    O ano que passou havia iniciado em meio a incertezas, ideias e mudanças. Minha rotina consistia em grandes momentos de ócio gostoso e culpa mesclados com picos de trabalho exaustivo e incerteza da minha capacidade. Claro, todos os minutos foram apreciados, até porque o constante otimismo é parte da minha personalidade e tenho ao lado o amor da minha vida, mas a falta de rumo era o zumbido presente em todos os instantes. Entendia com quem viveria e sabia que a vida detinha de algo a mais, mas não encontrava o fim que me fizesse sentir EU. Todos vivem em busca de algo, seja família ou profissão, mas eu não conseguia entender qual algo era o meu.

    Indo contra o que realmente acredito, me vi tentando sonhar com uma família. A maternidade é constantemente romantizada e, em um mundo dos homens, as paredes de casa viram uma prisão. Desejei casar e ter filhos, mas qual o sentido em ser a base do sentido de outro alguém que não sou eu? Em seguida, ao lado do meu amor, desenvolvi uma marca de roupas. Essa ideia parecia estar de acordo com o que havia traçado até então. Com a rotina, porém, percebi que eu não me importava com isso. Gosto de criar e imaginar, mas esse foco me parecia forçado. Aquilo não era eu, era apenas o que os outros esperavam que eu fosse. Também fui professora de inglês para ganhar dinheiro fácil e ter o tempo livre que tanto prezo - mas, claro, esse nunca foi o plano A. Entre idas e vindas de profissão, somadas ao primeiro momento presencial da faculdade de Letras, consistiu meu primeiro semestre do ano.

    Em Julho, graças a um impulso súbito, decidi aplicar para a seleção do time de redatoras do Querido Clássico. Soube do edital com 1 mês de antecedência, mas havia decidido não tentar - a Natália da época estava muito ocupada administrando a faculdade, uma marca, dar aulas de inglês e a crise existencial. Faltando dois dias para o prazo fechar, porém, adentrei em uma corrida louca contra o tempo. Decidi que me tornar redatora era tudo o que eu precisava para cumprir com uma vontade que esteve presente desde pequena - além de que seria ótimo como experiência em minha área. 

    Como pauta, desenvolvi uma intuição que tive no começo do ano, após ter lido o livro feminista de segunda onda A Mística Feminina de Betty Friedan e A Redoma de Vidro da Sylvia Plath. Abordei uma ideia única, que não encontrei em nenhum artigo científico brasileiro, e isso foi primordial para fazer nascer em mim a confiança antes morta. Em duas noites, escrevi sobre a relação da crise de identidade em ambos os livros e, sem perceber, toquei no aspecto que vivenciava. A propósito, não havia percebido a relação entre a pauta e a minha vida até agora, enquanto escrevo essas palavras. Muito provavelmente, o amor que sinto por esse artigo nasceu a partir da pessoalidade. Até então, eu estava em frente à figueira. Depois de ser aprovada no QC, eu escolhi um figo.

A Redoma de Vidro (p.88) Sylvia Plath
A Redoma de Vidro (p.88)
Sylvia Plath

    Com a aprovação, minha relação com a leitura mudou completamente. Os livros sempre foram constantes em minha vida, mas apenas isso. Uma presença permanente e intocável, viva por si e nada além. Leituras que iniciavam, prosseguiam e paravam quando haviam de parar. Não havia, em mim, a persistência para além do encantamento. Como redatora, no entanto, para escrever minhas pautas, uma pesquisa mais aprofundada era necessária. Mergulhei em todos os porquês e me vi fazendo isso com tudo, independente do compromisso com o blog, simplesmente porque havia encontrado um brilho diferente. Quando percebi, eu não mais existia descolada das palavras, sejam elas escritas por outro, sejam elas escritas por mim.

    Em meados de outubro, outro marco mudou tudo. Sentados no sofá da sala, juntos, grudados como sempre, eu e meu namorado assistimos um compilado de vídeos sobre o espaço. Um vídeo em específico, este daqui, nos fez enxergar para além de qualquer coisa. Espero um dia escrever sobre isso com a atenção que o assunto exige, mas, para resumir, o fim será uma dança de buracos negros e nós somos capazes de tudo. 

    Há uma mistura de melancolia e poder que se instaura quando percebemos que não temos importância na história do universo - não da terra, mas de todo o cosmos. Os padrões de vida não fazem sentido, foram todos criados por um sistema danoso, e vivê-los é contribuir para algo que não supre o espírito. Além disso, há a percepção de que as realizações que julgamos gigantescas e impossíveis são, na verdade, praticáveis e tão pequenas quanto a humanidade. 

    Assim, juntando os novos fatos que o eventual fim do mundo escancarou, afirmo qual o meu destino final.

    A arte, a literatura, o fogo e a verdade. Aquele sentimento cósmico indescritível e pulsante do conhecer e produzir. É para isso que existo e não há sentido em existir para nada além. Tudo o que desejo é escrever, ler e viver. Quero colocar no papel minhas experiências e dançar com as possibilidades. Quero trilhar a inovação, uma literatura diferente, a minha literatura. Para isso, quero devorar tudo o que conseguir, entender todos os aspectos daqueles que me inspiram e mergulhar em tudo o que nem imagino que há. 

    O ano de 2022 foi o meu arcano zero, a presença que ocorre antes do 1, antes de tudo iniciar, o momento de despertar a vontade de vida. Começo 2023 agraciada com a dádiva de entender para aonde me desloco. Tenho um longo caminho a percorrer, ainda sou uma menina em formação, mas a angústia de não conhecer o meu porvir desejado já não existe mais.

Comentários

  1. oi, natália :) comecei a te seguir essa semana lá no twitter porque apareceu pra mim um tweet seu sobre "ser pessoal no blog". lembro que eu quase respondi, mas fiquei com vergonha porque tinha acabado de conhecer seu perfil lá. então vou aproveitar que li esse texto (e me identifiquei muito) e responder agora: o que eu mais amo na internet é conseguir enxergar um pouco das pessoas que estão por trás dos posts. é quase uma subversão desses moldes pré-fabricados de publicação que praticamente qualquer robô faria, sabe? fico feliz em ver que ainda tem gente escrevendo em blog e falando de si a partir dos livros que leu ou das reflexões que teve durante o ano. é isso que me motiva a não deletar todas as redes e me mandar pro meio do mato hahaha adorei seu blog! feliz ano novo :)

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  2. Amei ler seu post, me identifico muito com a vontade de trabalhar no presente e desapegar do passado.
    Seu ano foi cheio de momentos de descobertas e novos caminhos, espero que esse novo ano te traga muitas realizações e que seja de começos grandiosos.
    Beijos
    https://www.dearlytay.com.br/

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